Cravo: por detrás da palavra


Do latim clavus.
Procurei uma palavra que significasse algo para mim. Numa busca incessante, foram várias as palavras com as quais me cruzei. Infância, amor, amizade. Mas encontrei algo que significa muito mais para mim do que uma simples relação com outrem: a liberdade.
O cravo pode assumir diferentes formas na nossa realidade. Pode ser um instrumento musical, bastante parecido com o piano que o meu primo tocava. Lembro-me de vê-lo, durante a minha infância, passar horas a deslizar as mãos pelas teclas brancas e pretas. Lembro-me, sobretudo, da melodia. Do ecoar daquele som angelical por toda a casa. Para além disto, o cravo (ou cravinho) pode ser considerado uma especiaria, que me lembro da minha mãe usar no arroz de pato, como só ela sabe fazer. Aos meus olhos e do meu irmão tinha a forma de uma flor. (Re)lembro-me do ódio que nós, quando éramos crianças, tínhamos por esta especiaria. Procurávamos todos os vestígios dela existentes no prato e deitávamo-los fora, como se de um “crime culinário” se tratasse. Mas ainda não é desses cravos que venho falar hoje.
Dianthus caryophyllus - foi na flor do craveiro que me inspirei. Com um aroma suave e existente em variadas cores, é originária do sul da Europa. Cada cravo tem um significado diferente: desde amor, fidelidade, felicidade a solidão, rejeição e desdém.
Mais do que uma flor, considero-o uma recordação de momentos e pessoas da minha vida. Relembra-me da liberdade. Do dia em que para mim - para todos nós - tudo mudou. Lembro-me das histórias que os meus avós me contavam sobre o dia que, no ano de 1974, alterou profundamente a realidade como até agora tínhamos conhecido. Era um dia normal, numa pequena cidade ribatejana, quando ambos saíram para o trabalho e os mandaram diretamente para casa. Portugal parou nesse dia. Portugal mudou nesse dia.
Se esse mesmo dia não tivesse acontecido, eu provavelmente não estaria aqui neste momento. Não estaria a estudar jornalismo. Não estaria a depositar os meus pensamentos (livremente e sem medos) num texto. Pacífica como o aroma suave do cravo, esta revolução foi o ponto de viragem para o hoje como o conhecemos agora. Desde então que o cravo vermelho passou, para além de respeito, amor e paixão, a significar também liberdade e revolução.
Para além do cravo vermelho, há outro que tem um significado muito profundo na minha vida. O branco. Simboliza o amor profundo, e não podia estar melhor associado. Relembra-me a minha avó: Preciosa de nome e de coração. Não me lembro da voz dela, mas com ela tenho algumas memórias de infância. A sua flor favorita era o cravo branco. Este cravo significa também ingenuidade. Ingenuidade essa que tinha quando ela partiu. Ingenuidade de não me aperceber do que se estava a passar e de que nunca mais a voltaria a ver. Esta flor é o símbolo das mães que já partiram, das mães que, como ela, amaram e cuidaram, mas que tiveram de se despedir. O cravo branco é, então, para mim, sinónimo de saudade e amor. Não uma saudade com arrependimento. Uma saudade de coração cheio.
Cravo é mais do que amor. É mais do que liberdade. É um sentimento mais profundo do que todos os outros, que mexe na minha vida de forma inigualável. É um símbolo de alguém, é um símbolo de algo. São memórias, vivências. Seja vermelho ou branco. Rosa ou amarelo. É o cravo.

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